Congresso | Conclusões Mesa 1
1º PAINEL | FACTOS, ESTUDOS E EXPLICAÇÕES – 1ª Mesa de debate – Lendas e crenças populares (Artigos “O duende de Byonne”- jan 1859; “Os diabretes” jan. 1858; “Um duende” – jan. 1859; “Os agéneres” – fev. 1859) – Hugo Guinote (PL – ASE Cascais), Paulo Mourinha (Lisboa) e Sónia Constantino (AEB CE – Oeiras).
Ao longo dos tempos, as sociedades humanas – das mais primitivas às mais complexas, encontraram a justificação para o inexplicável, através da crença em criaturas sobrenaturais, na maioria das vezes, preexistentes à História Humana e à sua tentativa de explicação científica.
Agregados em diversos tipos de criaturas, com atividades e intenções diversas, mereceram nomes marcantes em diversas áreas do globo e passaram a participar em tradições orais e contos lendários, essenciais à formação da estrutura antropológica de cada civilização.
As mesmas atraíram a atenção do Codificador da Doutrina dos Espíritos, que as filtrou à luz do entendimento das diversas escalas de espíritos e da sua intervenção no mundo das formas.
No entanto, o conhecimento do funcionamento de um fenómeno, não o inibe obrigatoriamente, nem necessariamente lhe reduz o impacto.
Hoje, no chamado período da razão, os fenómenos que antes recebiam as designações mais tradicionais da sua cultura, continuam a existir; e o seu estudo tem merecido variada investigação, com designações atualizadas, como: Haunting, Poltergeist, etc.
Qual será então o papel do Espiritismo perante esta nova vaga de investigação em torno de fenómenos, tão antigos como o tempo?
A resposta está na designação que Kardec nos legou sobre a sua vertente científica no livro O Que é o Espiritismo, ou seja, que o Espiritismo nessa vertente é “uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos, e de suas relações com o mundo corporal”, por outras palavras, vem nos mostrar que tudo tem uma explicação e está de acordo com as Leis Naturais criadas por Deus e que essas leis são imutáveis e perfeitas na sua origem.
É sobre esta ótica que apresentamos as nossas conclusões relativas à 1ª Mesa de Debate:
Como diz Allan Kardec, na pergunta nº 4 de O Livro dos Espíritos, “não há efeito sem causa”, então, por “mais estranho e anormal que pareça, cessa o maravilhoso desde o momento em que é possível dar-lhe uma explicação lógica, entrando, então, na categoria dos fenómenos naturais (…)”.[1]
Partindo deste princípio que todo o efeito tem uma causa, significa que por detrás destes fenómenos tem de existir uma inteligência, sendo que a causa primária de todas as coisas e a inteligência suprema é Deus[2] de onde tudo provém.
Pela nossa observação, e como nos diz O Livro dos Espíritos, na pergunta 27, “existem dois elementos gerais do Universo: a matéria e o espírito e acima deles Deus”, sendo que o espírito é o princípio inteligente do Universo criado por Deus, como nos diz a pergunta 23 da mesma obra. Na pergunta 25 os Espíritos informam-nos que sendo os dois elementos distintos, é necessária a união do Espírito para dar inteligência à matéria, ou seja, a matéria é o meio de que a inteligência se utiliza para se manifestar.
Então, quando o Espírito não está encarnado, continua a necessitar de matéria para se manifestar; essa matéria provém sempre da mesma matéria elementar primitiva a que os Espíritos chamam de fluído cósmico universal. Assim, tudo o que vemos, a madeira, o corpo humano, etc, são variações desse elemento[3]. Sem o Espírito animar a matéria, esta não tem vida.
Ainda na obra O Livro dos Espíritos, na pergunta 93, esta informação é apresentada de forma ainda mais clara: “o Espírito é envolvido por uma substância que é vaporosa para ti, mas ainda bastante grosseira para nós”, expondo, ainda, na pergunta 94, que esse invólucro semimaterial é retirado “do fluido universal de cada globo, razão porque não é idêntico em todos os mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório, como mudais de roupa”. Este fluido universal de cada globo é ainda uma modificação da matéria elementar primitiva (fluído cósmico universal), uma vez que tudo provém desse mesmo elemento material.
Assim, compreendemos que o princípio inteligente vai-se revestindo de matéria mais ou menos quintessênciada de acordo com as suas necessidades e evolução – o envólucro semimaterial a que damos o nome de perispírito.
Os Espíritos informam também, na pergunta 95, que esse corpo semimaterial pode ter ”a forma que o Espírito queira”, complementando ainda que “é assim que este vos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo palpável”, sendo este o motivo, por que médiuns videntes conseguem ver o Espírito com a aparência que tinha na Terra enquanto encarnado, bem como, em circunstâncias excecionais é possível mesmo tocar-lhes.
Em resumo, sendo que o perispírito provém do mesmo elemento primitivo (fluído cósmico universal) que o nosso corpo físico, o Espírito pode, se quiser e tiver permissão para tal, através do pensamento, tornar o seu perispírito mais denso ao ponto de tomar a aparência de matéria carnal. Nesse caso, trata-se de umaaparição tangível[4] do Espírito, a que se dá o nome de Agénere.
Então, não é ao acaso que na Revista Espírita de fevereiro de 1859, no artigo “Os agéneres”, São Luís responde, quando questionado sobre uma situação deste tipo: “Que ocorreria se fosse apresentado a uma pessoa desconhecida?
– R. Seria tomado por uma criança comum. Mas vos direi uma coisa, é que existe, algumas vezes, na Terra, Espíritos que revestem essa aparência, e que são tomados por homens.”
São Luís informa ainda que esses seres podem pertencer tanto à categoria dos Espíritos inferiores como à dos Espíritos superiores e se trata de acontecimentos raros, mas dos quais a Bíblia registou alguns exemplos.
São Luís informa-nos, ainda, neste mesmo artigo, que além da própria vontade, os Espíritos somente se manifestam de forma tangível se houver permissão superior.
Na obra A Génese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, no cap. XIV, item 36, Allan Kardec, refere também que essa tangibilidade é temporária, podendo cessar, em qualquer altura, por vontade do Espírito ou por instruções superiores. Trata-se portanto de um fenómeno natural, que está de acordo com as Leis Divinas.
Em relação ao ponto “Lendas e crenças populares”, o mesmo é objeto de várias publicações nas edições dos primeiros anos da Revista Espírita. Para esta abordagem foram escolhidos dois textos. O primeiro publicado na edição de fevereiro de 1858 com o título “Terceira Ordem – Espíritos Imperfeitos, Oitava classe – Espíritos Levianos”. O segundo publicado na edição de setembro de 1859, sob o título “As tempestades – Papel do Espíritos nos fenómenos naturais (Sociedade, 22 de julho de 1859)”. Ambos os textos serviram de base para o conteúdo publicado no Livro II, cap. IX de O Livro dos Espíritos, sob o título “Ação dos Espíritos nos fenómenos da Natureza”.
Kardec considera que pertencem à classe de Espíritos levianos, “os Espíritos vulgarmente designados sob os nomes de duendes, gnomos.” Esclarece que estes “estão sob a dependência de Espíritos superiores, que os empregam, frequentemente, como o fazemos com os serviçais e operários. Parecem, mais do que outros, apegados à matéria e parecem ser os agentes principais das vicissitudes dos elementos do globo, seja porque habitam o ar, a água, o fogo, os corpos duros ou as entranhas da Terra.” É interessante esta associação entre os elementos naturais e a ação dos Espíritos de diversas categorias, uns mais elevados e outros com funções mais executantes.
Neste artigo da Revista Espírita, Kardec sugere ainda que os Espíritos menos amadurecidos envolvidos nas manifestações físicas “manifestam, frequentemente, sua presença por efeitos sensíveis tais como os golpes, o movimento e deslocamento anormal dos corpos sólidos, a agitação do ar, etc., o que se lhes faz dar o nome de Espíritos batedores ou perturbadores.” Porém, ao publicar O Livro dos Espíritos, numa evidente revisão deste posicionamento, não somente altera a categoria em que classifica estes espíritos – passando-os da oitava classe – Espíritos Levianos para a sexta classe – Espíritos Batedores e Perturbadores, mas também lhes dedica o subcapítulo “Ação dos Espíritos nos fenómenos da Natureza”.
É nas questões 536 a 540 de O Livro dos Espíritos que encontramos orientações complementares acerca do assunto. Inspirado pela mitologia antiga, Kardec propõe como hipótese que existem espíritos “encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir ao fenómeno da vegetação, etc.” e questiona se “semelhante crença é totalmente destituída de fundamento”. A resposta do Espírito de Verdade é impactante: “tão pouco destituída é de fundamento, que ainda está muito aquém da verdade.”; e complementa: “tais Espíritos não habitam positivamente a Terra.” Entendendo-se por “positivamente” a ideia de materialmente ou de forma evidente a todos. Percebe-se que se está a referir a uma classe de Espíritos que não reencarna. Por essa razão, Kardec interpela em seguida se “serão seres à parte, ou Espíritos que foram encarnados como nós?”, ao que os Espíritos respondem: “que foram ou que o serão”, ou seja, ou são consideravelmente mais evoluídos que a Humanidade, ou consideravelmente menos, pertencendo, portanto, a reinos distintos do hominal.
Noventa anos após a publicação da Revista Espírita, dados complementares surgem numa passagem discreta na obra “Libertação” do Espírito André Luiz. Referindo-se a estes seres executantes, descreve-os como “…milhares de criaturas, utilizadas nos mais rudes serviços da natureza, movimentam-se nestes sítios em posição infraterrestre. A ignorância, por ora, não lhes confere a glória da responsabilidade. Em desenvolvimento de tendências dignas, candidatam-se à humanidade que conhecemos na Crosta. Situam-se entre o raciocínio fragmentário do macacóide e a ideia simples do homem primitivo na floresta.”[5] Assim se comprova serem seres que estão em processo evolutivo, entre os reinos animal e hominal, constituindo reino à parte, tendo como característica a ausência de racionalidade consolidada e de consciência moral.
Posteriormente, foram publicadas outras obras que, não dispensando a aplicação escrupulosa dos princípios de controlo propostos por Kardec para a análise das comunicações, trazem informação complementar sobre os espíritos da natureza. Ao longo das últimas duas décadas, diversos Espíritos foram trazendo-nos hipóteses sobre as suas características, constituição, objetivo na vida planetária, cuidados a ter ao interagirmos com eles e, sobretudo, a sua utilidade no bem.
Ao refletirmos sobre a renovação social que já está em curso, antecipamos os enormes desafios que a Humanidade enfrenta e enfrentará, sobretudo na área da saúde mento-espiritual. Com os conceitos de ansiedade e depressão, trauma e conflito, neurose ou psicose, debateremos a perturbação simples, influenciação, obsessão simples, fascinação, subjugação, possessão, obsessão complexa e auto-obsessão. O Espiritismo, em concreto, poderá facultar significativo auxílio a todos os que se querem renovar, complementando a mudança íntima com o auxílio energético, para o qual os espíritos da natureza, eventualmente, poderão seres utilíssimos nos tratamentos no futuro. Todas as casas espíritas utilizam técnicas de passe magnético e fluidificação da água para efeitos terapêuticos, conforme proposto ao tempo de Kardec. É possível que, recorrendo ao contributo destes espíritos, o potencial de auxílio possa ser aumentado em muito.
[1] Kardec, Allan, “Os agêneres”, In Revista Espírita, Fevereiro 1859.
[2] Ver Kardec, Allan, O Livro dos Espíritos, Cap. I, pergunta 1.
[3] Idem, Cap. II, pergunta 29.
[4] Kardec, Allan, O Livro dos Médiuns, Cap. VII, item 125.
[5] Xavier, Francisco Cândido (André Luiz, Espírito), Libertação, Cap. IV.