Congresso | Conclusões Mesa 10
4º PAINEL | O FUTURO DO ESPIRITISMO – 15H00 – 15H40 – 10ª Mesa de debate – O tempo presente (Artigos “O tempo presente” Chateaubriand – fev. 1860; “O Cristianismo”- Lamennais – nov. 1860; “A chave do céu” – Lacordaire – ago. 1865) – Filipa Ribeiro (UERP/NERV – Leça da Palmeira), Paula Moutinho (UERP/AEFFA – Porto) e Sílvia Almeida (No Invisível/FEP).
Os três artigos analisados têm em comum o facto de serem assinados por três personalidades cujos nomes ficaram gravados na história francesa e todas elas contemporâneas de Allan Kardec: Chateaubriand (1768–1848), Lamennais (1782–1854) e Lacordaire, (1802–1861), este último, já contemporâneo até de parte da Codificação espírita. Eram com certeza já almas preparadas e de grande evolução, não só pela obra que deixaram em vida, mas também porque pouquíssimo tempo depois da sua passagem para a pátria espiritual integraram a equipa do Consolador, contribuindo eles próprios para o seu estabelecimento entre os homens.
Em “O Tempo presente” (Chateaubriand, fev. 1860) destacamos as seguintes ideias principais:
1) a era de renovação e aperfeiçoamento – cujos sinais precursores já há muito se registam, é orientada por Jesus;
2) algumas barreiras materiais já foram derrubadas e outros obstáculos, nomeadamente, os de natureza moral, a falta de união, os preconceitos políticos, religiosos, de infância e de educação serão apagados e a fraternidade será estabelecida; 3) as reformas são necessárias e inevitáveis, mas entre elas é preciso distinguir as que vêm do Alto. Tudo o que cada um de nós faz – e Chateaubriand apela ao nosso trabalho incessante – faz em prol de si mesmo e da Humanidade.
“Existe uma coisa mais poderosa que todos os exércitos, uma ideia cujo tempo é chegado”, disse Victor Hugo, e esse é o Tempo presente, que nos conclama ao trabalho, para que os ensinamentos de Jesus prevaleçam sobre tudo o resto, não por dominação, imposição, ou força, mas por dimanarem do Espírito da Verdade e das leis de Deus.
É interessante ler este artigo em contraste com um outro artigo, publicado na mesma revista, em novembro de 1860, “O Tempo perdido”, sobre as responsabilidades que nos cabem e em que falhamos. Como vamos prestar contas? No Tempo presente ou no tempo perdido? Está, pois, na hora de colher o que se plantou e de separar o trigo do joio.
No segundo texto – O Cristianismo (nov.1860) – afirma-se perentoriamente a pedra basilar do Espiritismo: a moral cristã. Todas as religiões são úteis, mas tudo o que se afasta do que Jesus ensinou acabará por cair. Os Espíritas cristãos, como designa Allan Kardec, não são superiores ou melhores do que os outros, mas têm mais responsabilidade perante o Mestre. Fica ainda o apelo ao “inclinai-vos todos” e essa unidade se “fará do lado onde ao bem jamais se haja misturado o mal; desse lado é que os homens se ligarão, pela força mesma das coisas, porquanto considerarão que aí está a verdade. Notai, ao demais, que os princípios fundamentais são por toda a parte os mesmos e têm que vos unir numa ideia comum: o amor de Deus e a prática do bem. (…)”[1].
A nossa tríade fecha com o título sugestivo “A chave do céu” da autoria de Lacordaire.
Lacordaire tem referências curiosas no seu percurso. Além de ter colaborado na Codificação, com mensagens bem conhecidas como “O bem e o mal sofrer”, “O orgulho e a humildade” e “Desprendimento dos bens terrenos”, na obra O Evangelho segundo o Espiritismo, opinou em vida, numa carta enviada a uma amiga, acerca das mesas girantes, (Sra. Swetchine, datada de 29 de junho de 1853, tirada de sua correspondência publicada em 1865)[2]: “Por mais extraordinário que isto seja, é para um cristão que acredita nos Espíritos um fenómeno muito vulgar e muito pobre.” Bem pobre, efetivamente, no que diz respeito à maneira de se comunicar com os Espíritos, porque se não se tivesse havido outras formas, o Espiritismo quase não teria avançado.
Este último texto como que sintetiza e aprofunda os anteriores, começando logo com o ponto principal: “a caridade é o ato da nossa submissão à lei de Deus; é o sinal da nossa grandeza moral; é a chave do céu”. E logo a seguir, alerta: todos dizem e aceitam isto como um postulado, mas poucos o veem como uma realidade que acarreta consequências. É interessante pensar neste tema da «chave do céu» numa altura em que os avanços científicos voltam a relançar as questões: o que é o universo?, por que existe um universo, se estamos sozinhos nele, e porquê?
Um dos pontos de grande relevância deste texto é a importância da família, célula mater da sociedade. Joanna de Ângelis, na obra Constelação familiar, corrobora este pensamento quando diz que a família é a base fundamental sobre a qual se ergue o imenso edifício da sociedade.
Em suma, três artigos, três âmbitos de ação da caridade, que se completam e que formam uma força transformadora interna e externa, promotora de um futuro melhor:
1 – Reforma íntima/ “melhoramento pessoal” – forma de trabalharmos para nós e para os outros.
2 – O Cristo como guia maior – ser cristãos, seguir os passos do nosso modelo insuplantável.
3 – Exercer a caridade material, além da moral, estando atento às necessidades do mundo.
Em suma: caridade para connosco mesmos, comportamento cristão para com todos, caridade material/ como exercício da mais pura solidariedade. Formula prática do “Amar ao próximo como a si mesmo”.
O Tempo presente é de mudança e transição, precisamos acompanhá-lo! Como base, os valores cristãos, o trabalho interno e a ação externa. A prática da caridade em todas as suas variantes. O trabalho da alma e do corpo para que o bem se exerça e se mostre!
São tantos os desafios do momento atual…
Este roteiro, que parece muito sintético, é, no entanto, profundamente exigente, mas também promissor e entusiasmante, porque compreendemos que vivemos um momento único e irrepetível na nossa história evolutiva, como almas imortais que somos. Que felicidade que constituem as oportunidades presentes! Uma vez bem aproveitadas, quem sabe, não serão as últimas experiências de sofrimentos mais intensos e, como promete Chateaubriand, numa próxima vida não possamos já gozar de uma felicidade que as culpas e pesos do presente ainda não nos deixam sentir?
A vida é mais bela e mais doce onde existe caridade – onde a exercemos e onde a recebemos – é essa a mensagem do Espiritismo e é essa a chave do céu, não só para a nossa alma, mas para a nova sociedade regenerada!
[1] Kardec, Allan, O Livro dos Médiuns, 2ª parte. Cap. 27 – item 302.
[2] Ver Kardec, Allan, “Lacordaire e as Mesas Girantes”, In Revista Espírita, Fevereiro de 1867.