Congresso | Conclusões Mesa 2
1º PAINEL | FACTOS, ESTUDOS E EXPLICAÇÕES – 2ª Mesa de debate: Limitações Físicas e Mentais (Artigos “O Espírito de um idiota”- jun. 1860; “Os cretinos”- out. 1861, “Evocação de um surdo mudo encarnado” – jan. 1865) – Francisco Reis (Caldas da Rainha), Jorge Gomes (ADEP) e Leonor Leal (ACE Alcobaça).
Num dos artigos desta mesa é abordada a temática da limitação intelectual extrema, um jovem de 13 anos que não reconhece tão pouco os pais, nem é capaz de se alimentar. No século XIX era usual designar-se por “idiota” qualquer pessoa com incapacidade intelectual.
Ao efetuar-se a evocação do mesmo, entendemos que o Espírito a viver essa prova sabia das suas limitações e sentia-se em cativeiro. Indica que embora veja e compreenda o estado em que se encontra, a limitação do seu corpo físico não lhe permite compreender, só dispondo de um alívio momentâneo durante o período de repouso. Percebe que a sua existência, inútil aos nossos olhos, não o é aos olhos de Deus e que esta experiência o irá ajudar a elevar-se espiritualmente.
É importante destacar que a deficiência é do corpo físico e não do espírito. O espírito é limitado pelo corpo físico que tem à disposição.
Por vezes os Espíritos que estão a viver esta experiência no corpo de carne têm noção do estado em que se encontram, sentem frustração por não conseguirem verbalizar corretamente os seus pensamentos e/ou vontades.
No caso em concreto, o Espírito indica sentir-se em cativeiro e sente-se um refugo da sociedade.
Para nós, este é por certo um alerta a ter em conta no convívio com quem está a passar por esta experiência.
É também interessante perceber que durante o sono o Espírito sentia um alívio e conseguia antever o futuro que o aguarda, o que aliás é comum a todos nós, pois estamos fadados à felicidade.
O Espírito São Luís aborda ali um outro assunto de extrema importância, a oração.
A oração sincera tem efeitos muitíssimo benéficos (muitos deles não logramos entender no nosso estado atual), mesmo nos casos em que não nos apercebemos deles de imediato, Deus as reserva para aplicabilidade futura.
Noutro dos artigos Allan Kardec resgata a época em que a Humanidade questionava se os cretinos teriam alma, isto é, se as pessoas com limitações cognitivas fariam parte da espécie humana.
A Revue Spirite chama a atenção do leitor para a alta moralidade e grande ensinamento que a Doutrina Espírita introduz na Humanidade, pela forma como encara os Espíritos que estão a passar por essa experiência.
Quem sabe quem foi aquela pessoa com limitações cognitivas com que nos cruzamos? Que mente brilhante e lúcida já terá experimentado no passado, e seguramente irá dispor no futuro, mas que por algum motivo nesta vida está aprisionada num corpo com limitações.
Allan Kardec revisita igualmente a sorte futura destas almas do ponto de vista de outras visões espiritualistas que não aceitam a reencarnação, demonstrando que, sem a existência da reencarnação, Deus não seria infinitamente justo e bom, pois por que motivo criaria seres sem limitações e outros com limitações que os colocariam em desvantagem? Qual seria a sua sorte após a morte? Não tendo feito o bem para ganharem o céu, nem o mal para merecerem o inferno, qual seria a justiça da sua vida espiritual pela eternidade após a morte do corpo físico?
Estas questões permanecem hoje em dia e desafiam os que repelem a reencarnação a resolverem estes problemas de forma lógica.
Neste artigo surge também a oportunidade de raciocinar sobre os preconceitos que temos relativamente a eventuais castigos e prémios de acordo com o que fazemos no tempo que estamos no corpo de carne, tal como está explícito no seguinte trecho: “O cretinismo não é uma lei de Deus e a Ciência pode fazê-lo desaparecer, porquanto é o resultado material da ignorância, da miséria e da imundície”.
Chegamos assim à conclusão de que a origem do aparente mal ou “castigo” está no própria consciência, uma vez que Deus é amor e não aponta o dedo nem impõe supostos castigos.
No último dos nossos artigos, Allan Kardec explica, entre outros tópicos, a importância do esquecimento do passado. Seria uma complicação o relacionamento construtivo entre mãe e filho na vida presente se se viesse a saber que havia um suposto crime antigo em processo de reabilitação. A interrupção da psicografia que é referida no artigo terá sido provocada pelos guias espirituais, prevenindo os problemas emergentes dessa mesma revelação do passado.
Isso não quer dizer, comenta ainda Kardec, que os surdos-mudos renascem na Terra com essa limitação por terem sido parricidas. Noutros casos, até mais comuns, é no mau uso da palavra que se situa a causa, gerando distúrbios no inconsciente do ser espiritual a ponto de aplicar a si próprio esse condicionamento. Em todo o caso, realça Kardec, a duração desse efeito é proporcional à duração do endurecimento da personalidade.
Outro ponto que ressalta do artigo é o de atualmente não fazermos evocações no Movimento Espírita.[1]
Kardec realizou um trabalho muito específico que justificaria evocar. Hoje não é assim. Evocar encarnados ou desencarnados abre espaço desnecessário à mistificação e eventualmente até a algum animismo (inconsciente) do médium. Pode perturbar quem está em atividade na vida terrena (evocação de encarnados) ou espiritual (evocação de desencarnados), devendo prevalecer em tudo o critério da utilidade das manifestações mediúnicas. É aceite em matéria de bom senso que a decisão em reunião mediúnica de quem se venha a manifestar oportunamente deve caber à equipa espiritual que superintende os trabalhos, pois é mais competente. O melhor a fazer, para participar nessa tarefa, será a equipa de Espíritos encarnados passar por uma formação adequada, a fim de poder tornar-se mais útil, embora ciente das suas limitações.
A comunicação mediúnica de Espíritos encarnados, em desdobramento, pode ocorrer em certas circunstâncias, mas não é frequente nas reuniões mediúnicas. Quando não acontece assim, o mais provável é tratar-se de mistificação de Espíritos levianos.
Sobre a recorrência da figura dos castigos presente no texto, temos percebido que Deus não os aplica. Se por alguma razão existissem, seríamos nós a aplicá-lo a nós mesmos, através de dinâmicas subconscientes e de processos peculiares ao nosso psiquismo no atual momento evolutivo.
A partir do momento em que Deus – “inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”[2] – cria leis da natureza, em particular as que regulam a natureza humana na própria consciência do ser espiritual[3], este age e reage às leis, e essas mesmas leis disciplinam-no enquanto paulatinamente aprende a (re)conhecê-las.
Nessa época, no Século XIX e até meados do Século XX em Portugal, e talvez em boa parte da Europa, havia a chamada pedagogia da “varinha de marmeleiro” (castigo). A criança era entendida como um adulto em miniatura e, na vida dura que invariavelmente se levava, as punições pareciam ser recorrentes. O sentimento de culpa, aliado à incompreensão das possibilidades de reforços positivos na educação, fazia com que a palavra castigo fosse inseparável de qualquer processo da vida quotidiana.
Torna-se evidente que o ser espiritual age e reage segundo o patamar evolutivo em que se encontra (horizonte de provas e expiações x horizonte de regeneração). A nosso ver, a própria Boa Nova refere isso: com a medida com que medirmos os outros seremos medidos (S. Mateus, cap. VII, vv. 1 e 2).
Espiritismo e Renovação Social
É oportuno dizer que o trabalho de Kardec revela não o fundador de uma seita mas um investigador numa área peculiar, a da vida espiritual e da sua inter-relação com o plano denso da matéria. O que pesquisou requer estudo criterioso e aprofundado, mas hoje existem também novas ferramentas que o Movimento Espírita pode utilizar. Por exemplo, o estudo de dados emergentes das atividades habituais do Centro Espírita poderia ser ampliado, analisadas as correlações e evidências estatísticas. Uma ilustração do que agora foi dito são os posters divulgados sobre análises estatísticas das manifestações mediúnicas em reuniões de auxílio espiritual. Seria uma das formas eficazes de também homenagear o bom senso e o valioso trabalho de Allan Kardec.
O teor dos três artigos abordados coloca no mesmo patamar de Humanidade Espíritos que estão a passar por uma limitação física e/ou mental no corpo de carne, face aos restantes, algo aparentemente simples, mas tão relevante ainda na sociedade em geral.
Verificamos, assim, que as novas ideias trazidas pelo Espiritismo ainda têm muito caminho para serem assimiladas pela população mundial que, em média, revela um défice de compreensão fraternal evidente.
O Espiritismo – ou Doutrina Espírita – engloba um valor inestimável para uma renovação social urgente, da qual todos fazemos parte ativa como participantes conscientes, com vista a uma evolução mais célere e eficaz do nosso planeta.
[1] Ver Xavier, Francisco Cândido (Emmanuel, Espírito), O Consolador, q. 369.
[2] Kardec, Allan, O Livro dos Espíritos, perg. 1.
[3] Idem, perg. 621.